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Superdotação como Neurodivergência

Foto do escritor: Heloisa da RocketingHeloisa da Rocketing

As palavras neurodivergência e neurodiversidade estão ficando cada vez mais populares. Já é cotidiano falar de neurodivergência ao abordar condições como autismo e TDAH, promovendo uma nova forma de enxergar essas condições. Se trata de uma visão menos pessimista, que encara as diferenças neurobiológicas como normais e naturais. Um contraponto à visão negativa que os rótulos médicos impõem, ao chamar de "transtornos" e descrever as condições como uma série de incapacidades e prejuízos no desenvolvimento do indivíduo.


Pensar na existência da neurodiversidade é defender a ideia de que os cérebros das pessoas não são todos iguais, há uma diversidade de habilidades, facilidades e capacidades. Uns com mais memória, uns com mais capacidade de atenção, uns com processamento intelectual mais lento que os demais, e assim em diante. A isso se dá o nome de neurodiversidade.


Dentro desse mar de diversidade, as pessoas que têm características mais "comuns" dentre a população são chamadas de "típicas" ou "neurotípicas". Matematicamente, seria como pensar na 'moda' de cada característica ou definir a média como padrão típico.


As pessoas que fogem do padrão (não por vontade, mas por seu neurodesenvolvimento!) são chamadas de "neurodivergentes" ou "neuroatípicas". Suas caracterísitcas 'divergem' do que mais aparece na população. A neurodivergência, então, inclui condições como o TEA (Transtorno do espectro autista), TDAH (Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade), dislexia, discalculia, TOC (Transtorno obsessivo-compulsivo), Trissomia do cromossomo 21 (ou Síndrome de Down), tiques (síndrome de Tourette e outras), TEPT-C (Transtorno de Estresse Pós-Traumático Complexo) e Transtorno afetivo bipolar.


Mas há outra condição que raramente aparece no vocabulário sobre neurodivergências, apesar de fazer tão parte quanto qualquer outra: a superdotação.


Popularmente, a crença é de que é muito legal ter Altas Habilidades/Superdotação (AHSD). A maioria das pessoas pensa que a pessoa é super inteligente, boa em tudo que faz, e que ter AHSD é muito legal porque traz muitas vantagens. Afinal... que mal tem em ser ‘inteligente demais’? Por que a pessoa precisaria de ajuda?


Mas a verdade é que a superdotação é muito mais complexa do que isso!


E ela não traz só benefícios.


Pessoas superdotadas podem ter:

  • Muita curiosidade

  • Boa memória

  • Independência e autonomia

  • Liderança

  • Iniciativa

  • Facilidade de aprendizagem

  • Criatividade e imaginação

  • Interesse por áreas diversas

  • Habilidade para lidar com ideias abstratas

  • Habilidade para resolver problemas de maneira incomum


Mas também sofrem com

  • Perfeccionismo

  • Medo de errar

  • Dificuldades de organização e gerenciamento de tempo

  • Sensibilidade sensorial

  • Sensibilidade emocional

  • Hiperatividade

  • Procrastinação

  • Autocrítica excessiva

  • Dificuldades sociais por não se encaixar e destoar em interesses

  • Desistir rápido ao tentar algo novo


Tá vendo como a superdotação vai muito além de só qualidades e vantagens?


A maior parte das dificuldades vem do próprio funcionamento cerebral do superdotado. Ou seja, a própria coisa que te beneficia também te prejudica. É como dois lados de uma mesma moeda, ou ainda duas partes de uma esfera em que nada é somente uma coisa ou somente outra coisa, tudo tem nuances, tudo pode beneficiar e também prejudicar. As diferenças neurobiológicas que fazem o superdotado ser superdotado não é são a "inteligência", elas causam a inteligência, e também causam muitas outras características.


Mas é difícil enxergar como neurodivergência algo que é unicamente positivo.

E infelizmente, essa é a ideia que se tem popularmente da superdotação.


Até as definições de superdotação falam muito de “inteligência acima da média”, “facilidade de aprendizado” e “talento”... A concepção mais popular no Brasil, por exemplo, é a de Renzulli, que descreve o comportamento de AHSD como a intersecção de três pontos: motivação, habilidade acima da média e criatividade. Já para outro autor, Sternberg, a superdotação engloba um conjunto de cinco características: excelência, raridade, produtividade, demonstratividade e valor. Os dois autores, e muitos outros dos mais importantes, descrevem as virtudes que da superdotação.


E acaba parecendo que a superdotação é só isso... características super positivas... vantagens na vida... até mesmo um privilégio... uma condição que não tem pontos negativos, ou, se tem, eles seriam balanceados pelos positivos.


Só tem um problema… a superdotação é muito mais do que isso!


Temos que pensar no que faz, realmente, a superdotação. O que faz um aluno ter um desempenho tão bom numa prova sem ter estudado? O que faz um jogador de vôlei da seleção brasileira ser tão bom, enquanto outras pessoas que treinaram tanto desde criança nunca conseguiram jogar profissionalmente? E até mesmo no famoso (e polêmico) teste de QI: o que faz com que a pessoa consiga alcançar um resultado superior?


Por trás do talento e de habilidades incríveis está um cérebro atípico. Diferente do ‘normal’, e que por isso consegue ter resultados diferentes do normal, acima da média! Esses resultados não são a superdotação. A superdotação é que permite esses resultados.


Nosso cérebro dita atributos como a atenção, a memória e a velocidade de processamento. Tudo isso influencia o desenvolvimento de habilidades de uma pessoa.


Em um cérebro atípico, há alterações fisiológicas que influenciam esses atributos. As pessoas superdotadas podem ter mais conectividade entre diferentes regiões do cérebro, maior volume em algumas partes e maior ativação cerebral. Isso faz com que elas tenham facilidade em aprender e desenvolver certas habilidades. Este funcionamento neurológico faz com que o aluno retenha muito bem informações que ouviu na sala de aula, e consiga expressar isso numa prova. Este funcionamento neurológico faz com que o jogador de vôlei tenha um incrível controle sobre seus movimentos, aprenda estratégias rapidamente, e com muito treino consiga desempenhar muito bem nos jogos. Este funcionamento neurológico faz com que uma pessoa consiga raciocinar e aplicar seu pensamento em cada questão de um teste de QI, atingindo números mais altos.


A superdotação não está nos resultados que a pessoa tem. Ela está no funcionamento neurológico que possibilitou aqueles resultados.

Muitas vezes, nem vemos “resultados”. Um aluno com notas abaixo da média, que é visto como "bagunceiro" e que aparentemente não tem nenhum talento também pode ser superdotado, porque a superdotação está no funcionamento dele. Pode ser que ele seja um exímio desenhista, mas ninguém saiba; pode ser que ele tem habilidades sonoras e musicais extremas mas nunca foi apresentado a um instrumento musical e nunca teve a oportunidade de desenvolver este talento; ou pode ser que ele não tenha nenhum talento exímio e admirável, ou até que ele não queira ter, mas ainda é superdotado porque seu cérebro funciona daquela maneira.


A superdotação está no funcionamento da pessoa, independente de vermos nela algum talento, super habilidade ou genialidade.


O funcionamento da AHSD é atípico, neurodivergente, e as pessoas superdotadas têm necessidades específicas que precisam ser vistas e atendidas.

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